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    VIRTUALIDADES

     

    "Orl@ iluminada" (colagem digital)
                    

                 Orlando passeava pela orla da praia ao final da tarde. Contemplava a paisagem, agradecido pela maré de sorte. Do alto de seus 40 anos, sentado na areia, pensava na linda namorada, Sandra, uma mulher que o completava e o amava. Mirava o mar, e agradecia pelo bom emprego: era sócio de um dos maiores escritórios de arquitetura do Rio de Janeiro; o seu escritório ficava de frente para o mar.

               Ficou um tempo por ali. Entrou no mar, tomou uma cerveja e foi para o seu duplex, no condomínio, dentro de seu carrão – que mais pareia o bat- móvel. “Como sou feliz! Se melhorar estraga!” - pensou, durante o trajeto. Depois de sua ducha, foi navegar em outros mares: os mares das redes sociais, aplicativos, chat’s. Mares, para ele, nunca “d’antes navegados”. Decidiu seguir o conselho de um amigo:

    −Vai, Orlando, você precisa se modernizar. Baixe o aplicativo Surfer’s e me adicione. Adicione todos os seus contatos do telefone, também. É massa, cara!

    Orlando seguiu o conselho. Ficou feliz da vida. Podia conversar com todos, a qualquer hora, somente num rolar de telas e apertar de botões. Primeiro, demorava ao digitar as frases; ficou meio perdido com o teclado digital e conversava com uma pessoa de cada vez. Depois, batia altos papos com grupos inteiros e digitar já era fácil. Parece que a maré de sorte continuava a trazer coisas boas.

    Após o trabalho, já não ia mais relaxar na praia. A namorada e os amigos, só encontrava aos finais de semana. A sua vibe agora era virtual, e resolvia tudo pela internet. Esta mesma vibe o levou a perder a noção do tempo, muitas vezes. Normalmente, em ocasiões especiais.

    Numa quinta-feira à noite, Orlando recebeu uma mensagem:

    “Olá, sócio! Maré de sorte, hein? Só passei para te lembrar da apresentação de amanhã, com os chineses. A maior conta que já pegamos. Se prepara! Se eles gostarem do projeto, você vai poder tirar umas boas férias e curtir a sua bela!”.

    Digitou, prontamente:

    “Oi, Marcelo! Calma, querido! O projeto será apresentado dia 31 de dezembro, ainda. Tem tempo!”.

    “Hoje são 30. Ixi! Acho que alguém andou tomando umas e outras e se esqueceu de olhar o calendário rsrsrs... Não tem como cancelar. Chinês, né, sabe como são? Se furarmos com eles, já era!”.

    Era a primeira vez que aquilo acontecia. Orlando sempre foi muito organizado, responsável. “E agora? A apresentação é amanhã e eu nem terminei o projeto...”. Ele teclou rápido para Marcelo:

    “Ok, sócio. Houve uma pequena confusão. Sem problemas, já está tudo pronto!”.

    Neste momento, Orlando recebeu uma nova mensagem. Desta vez era Sandra: “Boa noite, meu amor! Como anda muito distraído, tô passando para te lembrar do Revéillon. Fiz as reserva no hotel, em Búzios, mas temos que sair amanhã. Assim, poderemos aproveitar mais!”.

    Era a segunda vez, na mesma noite. Orlando sempre foi tão romântico, como poderia ter se esquecido do Revéillon? Os dois ficaram planejando o ano todo... “Nossa! Mais essa, agora! Eu me esqueci completamente!”

    Parece que a maré tinha virado. Orlando já não era mais feliz. Se perdesse o projeto dos chineses, teria que vender o seu carro e o seu duplex para se manter. Se desistisse do passeio com Sandra, jamais seria perdoado: seria o fim do relacionamento. 

    O pobre homem deixou o celular e foi arejar a cabeça. Resolveu entrar no clima de festa do final de ano. Bebeu uma lata de cerveja comum, para combater o nervosismo; depois, bebeu uma de cerveja preta, para ficar mais alerta. “Vou levar tudo na marola. Inventar duas boas desculpas, em tom de brincadeira. Eles vão me entender!”  ̶  pensou.

    Orlando chegou à sala, cambaleando. Escorregou no sofá e pegou o celular. Digitou a primeira mensagem:

    “Oi, amor, linda! Te amo! Então, sei que a gente planejou a viagem, eu estava sonhando com ela... Mas, o mané do meu sócio tá me pressionando com um projeto. Eu ainda não terminei, e é para apresentar amanhã. Eu tenho que obedecer, porque ele tem a maior parte na sociedade. Se o nosso escritório não pegar esta conta, não poderei juntar dinheiro para a gente se casar! Estou muito triste... Mas, eu apresentando o trabalho ficarei livre daquela mala por um bom tempo para ficar só com você.”.

    Nem esperou a resposta e já teclou novamente:

    “Olá, meu querido sócio! Sei que o projeto é para ser apresentado amanhã. Mas, a canseira da minha namorada está me pressionando para ir a uma viagem que planejamos o ano todo. Eu nem queria ir, porém, ela me disse que se não viajássemos, não viria morar comigo. Na verdade, eu disse que iria me casar, mas pretendo só morar com ela e ir deixando o tempo passar. No futuro, quem sabe rsrs... Então, te proponho o seguinte: eu passo para você a parte que já terminei, você complementa e faz a apresentação. Quando pegarmos a conta, você fica com a maior parte. Assim, ambos ficamos felizes. O que acha?”.

    De repente, o celular começou a vibrar freneticamente. Eram as respostas chegando:

    “Mané? Mala? Como assim? Que história é essa de casamento? Você teve o ano todo para planejar esse projeto e ele não está pronto??? ENTÃO, VOCÊ TEM QUE OBEDECER AO MALA DO SEU SÓCIO PORQUE ELE TEM A MAIOR PARTE NA SOCIEDADE??!! Eu vou apresentar o MEU PROJETO e ganharei a conta dos chineses! Quanto a você, considere-se LIVRE DE MIM, PARA SEMPRE!!! ARRUME OUTRO SÓCIO, BEM LONGE DE MIM!!!”.

    “Ahn? Quem tá teclando? Mala... Marcelo? Essa mensagem não era para você... eu não penso isso...”   ̶   tentou se explicar, em vão.

    “Ah, não? Conta outra, FALSO! E essa história de casamento??? Você nem gosta da Sandra para casar!”.

    Novas mensagens, um arco-íris de luzes se acendeu no celular:

    “Como assim, canseira da minha namorada? Você não queria ir??? ENTÃO, ERA SÓ ENROLAÇÃO??? CASAMENTO, NO FUTURO, TALVEZ??!! Que tipo de proposta é essa, MORAR JUNTO? Deixar o seu sócio fazer O SEU TRABALHO, QUE PAGARIA O NOSSO FUTURO CASAMENTO???!”

    “Amor, linda! Não era para você ler isso, foi um engano!”.

    “Sim, foi um engano. A NOSSA HISTÓRIA FOI UMA ENGANO!!! Mas ela não existe mais. Agora, você está solteiro para enrolar outra coitada e, quem sabe, planejar um FUTURO CASAMENTO COM ELA!!! NÃO ME LIGUE MAIS, ME ESQUEÇA!”.

    Pobre Orlando! A maré virou mesmo. É muito difícil surfar na internet. Pena que aprendeu isso tarde demais...

    Chegou dia 31 e lá estava ele: Orlando, caminhando pela orla da praia. Os foguetes estourando no céu, todos felizes à sua volta. Começou o ano com tudo, encerrou sem nada. Estava só, sem internet, com um copo de refri borbulhante na mão. Só, a pensar: “O ano que vem será melhor! Será o MEU ANO!”.

     


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    "Velocidade" (acrílica sobre Canson)






    A vida é um risco.
    Um rabisco perfeito,
    vivido pelas curvas sinuosas da estrada.

    A vida é um risco
    arriscado.
    Vivido pelas curvas da estrada, 
    ainda que sinuosas.

    Será que ainda dá tempo 
    de correr o risco de me arriscar? 
    Será que ainda dá tempo 
    de rabiscar bastante, 
    com riscos de qualquer jeito?

    Tomara que ainda dê tempo 
    de riscar essa estrada 
    e de me arriscar por ela.
    Sendo feliz, 
    sem saber como, onde e nem por que ela termina. 
    É o preço do risco...

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    "Amor universal" (montagem digital)


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    "O relógio do vovô" (foto)







    Mais um dia para sorrir, 
    menos um para chorar. 
    Mais um dia para ir,
    menos um para ficar. 

    Mais uma hora para se divertir, 
    menos uma para sofrer.
    Mais uma hora para partir, 
    menos uma para viver.

    Mais um minuto para ser,
    menos um para duvidar.
    Mais um minuto para beber,
    menos um para se preocupar.

    Mais, menos.
    Dia, horas e minutos. 
    O relógio ainda não parou...

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    "Autorretrato" (monotipia sobre papel Canson)




    Trinta e seis,

    outra vez...
    Vela, bolo, abraço.
    Dúvida, incerteza. 
    Frio, tristeza.
    Embaraço, balanço. 
    O que fiz,
    quis e não quis.

    Trinta e seis,
    mais uma vez...
    Um novo sonho, 
    novo sopro.
    Continuar ou começar. 
    A mesma história contada de novo,
    do novo, quero outra e mais uma vez.


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     "Simbiose"



    Olhos vazios,

    soltos a procurar

    alguma paisagem

    onde possam se encontrar.

     

    Porém, o que encontram

    é só miragem.

    E se assombram,

    pois não enxergam a verdade.

     

    No fundo, o que eles buscam

    é só descansar.

    No raso, se assustam,

    porque não sabem nadar.


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     "Aquarius" (óleo sobre tela)
     
     

     

    E, na imensidão do meu mar de ideias,
    busco por uma que me faça aportar em terra firme.
     
    Ou me deixo levar pela maré
    e aprendo, de vez, a nadar.
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    Réplica de "São João da Cruz" (óleo sobre tela)



     

    E, quando saí de mim,
    te encontrei aqui, 
    dentro do meu coração.
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    Foto "@liança"

     





     Rafael era um rapaz bonito, pacato, honesto, educado, nunca prejudicou a ninguém. Porém, sofria de um mal que o acompanhava desde sempre: a indecisão. Já tinha passado por situações embaraçosas por causa dela.

    Certa vez foi convidado para assistir a uma final entre Cruzeiro e Atlético, no Mineirão. Tobias  ̶  seu colega de trabalho  ̶   combinou de esperá-lo no portão principal do estádio, com os ingressos comprados.

    Quando Rafa já estava pronto, a sua camiseta rasgou. No armário, tinham outras duas: uma preta e uma azul. “E agora, qual das duas? Eu fico melhor de preto, mas gosto da azul... Qual delas?”

    De repente, ele olha o relógio. Descobre que já estava atrasado. Tinha que escolher. Então, a camiseta azul caiu do cabide. “Ah, vai essa mesmo!”

    Encontrou Tobias, que o esperava ansioso:

     ̶  Nossa, cara! Achei que você ia me dar o bolo. Comprei duas especiais pra gente torcer pelo meu timão: o Galo!

    Foi assim que Rafael se viu em meio à torcida do Atlético, vestido de azul. Um blue sozinho. Ao primeiro gol do Cruzeiro, os torcedores o fulminaram com o olhar. Culpavam a primeira coisa azul que viram, por causa da derrota inicial. O rapaz não suportou a pressão: disse ao colega que iria comprar um pastel e até hoje não voltou. De quebra, ainda escorregou e quebrou o nariz. Por sorte, foi só o nariz...

    Desta vez, o temível mal adentrou o seu coração. Ele criou um perfil, numa página de relacionamentos, para encontrar a sua alma gêmea. Escolheu a melhor foto e escreveu coisas lindas sobre si mesmo. Era a personificação do “eu me amo”. “Ninguém vai resistir!”

    Somente duas garotas mostraram interesse.

    Uma, morena, alta, olhos verdes, modelo. A verdadeira “Vênus de Milo” da nova geração. Seu nome era Mary Ellen, com dois “éles”. Em seu perfil, algumas informações chamavam a atenção:

    “Olhos: dois, mais um terceiro olho rosa

    Esporte: jetsky, como o céu <3

    Prato favorito: lagosta, mas não entendo quem gosta. Eja gusta? Só os espanhóis!!!”

    “É, nada é perfeito... Mesmo assim, vou adicionar aos meus interesses.” Pobre Rafa!

    A outra moça era Clara, filósofa. Rafael se empolgou com perfil superinteligente. Contudo, perdeu a empolgação quando viu a foto. “O nariz dela parece uma cenoura plantada no meio do rosto, como o Olaf do Frozen. Nada é perfeito, mesmo! Adicionada.”

    Inicialmente, era só amizade. Porém, com o tempo, o indeciso Rafa se viu apaixonado pelas duas. “O ideal seria pegar o corpo de uma e colocar, nele, a inteligência da outra. Seria a Mary Clara perfeita! Mas, não posso. Tenho que escolher uma das duas... Qual delas? Qual?”

    Uma cintilante ideia lhe veio à mente: “Vou marcar um encontro com as duas naquela rua onde ficam duas cafeterias, uma em cada esquina. Não há nada de mais, não estamos namorando ainda.”

    O moço marcou os dois encontros simultaneamente, e levou uma surpresa no bolso da jaqueta: um par de alianças de namoro, parcelada em suaves 24 prestações.

    Primeiro, encontrou-se com Mary Ellen. Ela era ainda mais bonita do que na foto. O rapaz disse que iria até o banheiro e foi à outra cafeteria, onde conheceu Clara. Esta era ainda mais inteligente e sábia do que se mostrava no perfil. Também lhe disse que iria ao o banheiro e despistadamente saiu  rumo a um poste que ficava na esquina.

    “E agora, qual das duas?” Longe dos olhares das duas garotas, pegou as alianças entre os dedos, respirou fundo e disse a si mesmo: “Pronto, agora eu decido!”

    Enquanto olhava as alianças, uma forte ventania ultrapassou a esquina, arrancando-as de seus dedos. Elas rolaram pela calçada e sumiram, dentro de um bueiro. Desesperado e constrangido, correu para casa, deixando as moças à sua espera. Não poderia mais falar com as pretendentes depois disso. Deixou-as no vácuo: sem perfil, mensagens ou telefonemas. Mais uma vez, não decidiu. O destino foi implacável...

    Será mesmo ruim o destino para alguém que não sabe o quer? Assim, Rafael finalmente se decidiu: “A partir de hoje vou parar de tentar decidir tudo!”

    Então, ele chamou o seu amigo, tempo, para uma longa conversa e tratou de não cometer os mesmos erros. Foi mais feliz, sobretudo depois de pagar a vigésima-quarta prestação das alianças. É, elas sumiram, porém a fatura do cartão de crédito também foi implacável!




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    Imagem de domínio público



    Bem- te- vi!
    Ainda que te visse
    bem!

    Bem- te- vi!
    Bem,
    ainda te vi!

    Te vi bem.
    Bem te vi.


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    Colagem digital "Acord@r"
                              
       




    Dorme!
    Recorde as doces lembranças, 
    sonhe possíveis finais para a história. 
    Não acorde!

    Dorme!
    E se entregue ao serenar do descanso. 
    Sonhe, sonhe...
    Recorde aquilo que te faz bem.
    Não acorde!

    E daí se você bater o recorde 
    em dormir? 
    Dorme!
    Daquilo que te faz sonhar, 
    recorde-se.

    Diante do que te faz chorar, acorde.
    Bata o recorde em acordar
    que só há uma saída:
    viver ou viver!

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    "Alegria do sol" (foto)



    Preciso de hora para acordar,
    e de hora pra dormir.
    Preciso te ver chegar.
    Preciso ver você partir.

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    @Freud (fotografia digital)



    Terapia virtual

    Um dos milhares de casos decorrentes da nossa tão sonhada evolução. Paulo ou Paulinho  ̶  como era mais conhecido  ̶   era um garotinho de 7 anos, filho de um psicólogo e uma professora renomados. Como o renome exige tempo, tempo era justamente o que não tinham para Paulinho.
    - Pai, me ensina a jogar futebol?
    - Ôh, meu filho... papai tá atrasado para chegar ao consultório, hoje não dá, tá? Mas vou deixar o meu tablet para você brincar, ok? Tchau, campeão!
    - Tá bom...  ̶  respondeu com voz triste.




    Ouviu, então, a voz de sua mãe em casa. “Ah, ela vai brincar comigo! Estamos de férias, né?” pensou e se apressou para o seu lado:
    - Mamãe, brinca comigo?
    A mãe o pegou carinhosamente e o sentou sobre seu colo. Olhando dentro daqueles olhinhos ansiosos, disse:
    - Meu amor, hoje tenho algumas aulas e ficarei fora o dia todo, tá bom?
    - Mas você não estava de férias, como eu?
    - Uma professora que se preze nunca tira férias, filho! Você vai ficar com a babá, só que, para te compensar, farei o seguinte: deixarei o meu smartphone com você, ok? Pode brincar com ele à vontade! Tchau, meu anjo!
    Paulinho ficou confuso, sentiu um vazio no peito que escorreu pelos olhos em forma de lágrimas. Subiu para o seu quarto e ficou quietinho por lá.



    Enquanto isso, no consultório, o seu pai atendia, esfuziante, o terceiro paciente do dia:
    - Bom dia, meu campeão! Como vai?
    - Oi, tio! Mais ou menos...
    - Nossa, então vamos passar muito tempo juntos!
    O pai de Paulinho era psicólogo infantil, devotado à profissão. Era totalmente encantado pelo universo infantil e atendia muitas crianças por dia.


    Quando tocou a campainha da casa, Rafinha recebeu a professora com um enorme sorriso:
    - Oi, tia! Que bom que chegou, estou doida para aprender mais hoje.
    - Que bom querida! Passaremos muito tempo juntas! Venha cá me dar um abraço!
    A mãe de Paulinho dava aulas particulares de Arte para crianças, nas férias. Não suportava ficar parada e longe das crianças. Estudava, com muito afinco, tudo sobre elas e dominava a arte de educá-las.
    A babá tocou levemente na porta do quarto e chamou o menino para almoçar. Ele acordou, desceu esfregando os olhos, como se estivesse acordando de um sonho ruim.




    - O que você tem, meu pequeno?
    - Os meus pais não têm tempo pra mim. Tô ficando triste! Como curo essa tristeza?
    - A minha outra patroa estava bem assim, igualzinha a você... mandaram ela fazer terapia.
    - O que é terapia?
    - Ah, acho que é quando você paga alguém para te escutar... parece que é ... Então, como ela era muito ligada nessas coisas de internet, pegou o computador e marcou uma terapia virtual. Foi tão bom que logo o resto da família também começou a fazer. Eles começaram a se tratar bem, conversar e passar mais tempo uns com os outros.
    - É disso que eu preciso! Obrigado!  ̶   deu um beijo estalado na babá e subiu correndo para o quarto.



    Pegou o tablet do pai e falou: terapia virtual. O comando de voz logo abriu várias páginas com sites que ofereciam terapia virtual. Um nome lhe chamou a atenção: doutora Lúcia.
    Doutora Lúcia oferecia terapia individual e familiar, em pacotes que variavam de acordo com o número de sessões e sua duração. A primeira sessão era gratuita, para conquistar os pacientes. O site era autoexplicativo e, para ser atendido, bastava preencher um formulário com nome do paciente, tipo de terapia e telefone. A secretária, então, ligava para agendar o melhor dia e horário.
    - Vamos lá! Nome: Paulo Nogueira; tipo de terapia: familiar; telefone: 99090-9090. Isso! “Operação concluída com sucesso! Em breve retornaremos o contato.”
    Em menos de 5 minutos a secretária ligou para o garotinho e ele atendeu, no seu próprio celular:
    - Boa tarde! Quem fala é a secretária da doutora Lúcia. Posso falar com o senhor Paulo Nogueira?
    - Sim, é ele  ̶  disse, engrossando o tom da voz.
    - Tenho horário para uma sessão familiar amanhã, às 19 horas. Posso deixá-la agendada?
    - Huhum... sim, pode deixar. A primeira é de grátis, né?
    - Isso, senhor. Ok, está agendada a sessão. Certifique-se que a sua conexão com a internet esteja boa, certo?
    - Ok.
    - Obrigada pelo contato, senhor Paulo. Tenha uma boa tarde.
    O garoto pegou o smartphone da mãe e o tablet do pai. Na agenda marcou: “evento importante, casa, amanhã, 19 horas”.



    Desceu para a sala de TV e assistiu os seus desenhos favoritos, enquanto os pais não chegavam. Acabou pegando no sono e só acordou com o barulho da porta se abrindo:
    - Oi, campeão! Tudo bem? Papai vai subir para tomar banho e já desço para jantarmos, tá? Devolve o tablet para eu ver os meus recados, filho?
    - Sim, papai. Aqui está.
    - Hum... evento importante, casa, amanhã às 19 horas. Estranho, não me lembro do que se trata, mas, se está aqui. Deve ser uma recepção ou coisa do tipo. Estarei aqui.


    O menino deu aquele sorriso com o canto da boca, para ninguém perceber, e pensou: ”Yes, deu certo”!
    Em seguida entre sua mãe:
    - Oi, anjo! Como foi o dia? Estou exausta, como sempre... Vou até o escritório deixar as minhas coisas e já volto para o jantar, ok? Dá o celular pra mamãe ver os compromissos de amanhã?
    - Sim, mamãe. Está aqui.
    - Vejamos... evento importante, casa, amanhã às 19 horas. Engraçado, não me recordava disso. O que será que é? Ah, deixa para lá, amanhã estarei aqui.


    Mais um sorriso de alegria. O plano tinha dado certo!
    A família fazia questão do jantar à mesa, todos os dias. Era o único momento em que estavam juntos. Cada um com seu prato e o seu celular, claro. Nem se deram ao trabalho de comentar a respeito do evento importante de amanhã. Sabiam que suas empregadas cuidariam de tudo, bastaria a sua presença.
    No grande dia, Paulino acordou mais tarde. Queria aproveitar mais aquela sensação boa do sonho lindo que teve. Os seus pais já tinham saído. Ele desceu, já para o almoço, e deu um abraço-surpresa na babá:
    - Bom dia! Obrigado!
    - Oi, meu menino! Que alegria toda é essa, posso saber?
    - Nós vamos fazer terapia hoje: eu, mamãe e papai.
    - É mesmo! Que coisa boa! Onde?
    - Sabe aquela terapia virtual que você me falou? Pois é, vamos fazer terapia pela internet! Já planejei tudinho!
    A babá ficou apreensiva, afinal, como seria aquilo? Os pais deles mal ficavam em casa.
    - Olha, meu bem, não leve essa história muito a sério. Você é muito pequeno para se preocupar com essas coisas...
    - Não, não tô  preocupado. Vai dar certo!
    Foi para o quarto, buscou o notebook e deixou tudo preparado na sala. Verificou a conexão e já deixou a página aberta no site. O tempo, pela primeira vez, demorou a passar... Paulinho subiu, tomou um banho demorado e ficou prontinho.
    - Já são 19 horas! Eles devem estar aí!
    Os seus pais chegaram pontualmente.
    - Oi, amor! Ué, engraçado, está tudo quieto... e o evento importante?
    - Pois é, não estou entendendo.
    - Olha, vocês chegaram mesmo!  ̶ disse o garotinho. O evento importante é a nossa terapia!
    - Terapia???




    - Sim. Marquei uma sessão de terapia virtual, para nós três. A doutora Lúcia vai atender a gente e ajudar a passar mais tempo uns com os outros, conversar mais... já vai começar, o computador tá conectado. Senta aí, gente!
    Os pais o olharam, ternamente, com lágrimas a escorrer pelos cantos dos olhos. Como não tinham percebido tudo aquilo antes? A imagem de doutora Lúcia apareceu na tela. 
    Ela cumprimentou a todos. Nesse momento, a energia elétrica foi interrompida. Um carro bateu no poste onde estava o gerador. Levaria horas para consertar o estrago. Paulinho começou a chorar, pois o plano deu errado.



    - Não filho, não chore. Sabemos de algo muito interessante para fazer. Passaremos muito tempo juntos...
    Os pais acenderam a lareira e trouxeram castiçais e pedacinhos de queijo. Brincaram de fazer sombras em forma de animais na parede, enquanto derretiam o queijo no fogo, a noite toda. Conversaram sobre o trabalho, as crianças que atendiam e como planejavam mudar a sua rotina para ficarem mais tempo juntos. Ouviram as histórias do filho, os seus planos, muito do seu universo. Paulinho esfregou bem os olhos:
    - Nossa, parece que estou sonhando! Que sonho bom!
    A sessão não aconteceu, porém, de um jeito ou de outro, doutora Lúcia acabou dando um empurrãozinho...







    Ilustrações de Paulinho e seus pais foram criadas a partir do aplicativo Bitmoji.








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    Sobre mim

    Tiara C. França é goianeira (metade goiana, metade mineira), criada em Goiânia e Formiga.

    Descobriu o gosto pelas Artes Visuais desde os 6 anos de idade, quando se pegou reproduzindo personagens de HQ's, de maneira autodidata e espontânea. Cursou pintura a óleo no Atelier Arte Pura. Especializou-se em Ensino de Artes Visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

    Começou a escrever textos literários ainda na escola. Formou-se em Letras pelo Centro Universitário de Formiga (UNIFOR-MG). Já teve contos publicados em outros sites e em coletâneas do Clube Literário Marconi Montoli.

    O blog foi criado no início da pandemia, em abril de 2020. É uma tentativa de tornar a fase da pandemia do COVID-19 um pouco mais leve, reflexiva e divertida para as pessoas. E perdura até hoje!

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