(In)decisão
Rafael era um rapaz bonito, pacato, honesto, educado, nunca
prejudicou a ninguém. Porém, sofria de um mal que o acompanhava desde sempre: a
indecisão. Já tinha passado por situações embaraçosas por causa dela.
Certa vez foi convidado para assistir a uma final entre Cruzeiro e
Atlético, no Mineirão. Tobias ̶ seu colega de
trabalho ̶ combinou de esperá-lo no portão
principal do estádio, com os ingressos comprados.
Quando Rafa já estava pronto, a sua camiseta rasgou. No armário, tinham outras
duas: uma preta e uma azul. “E agora, qual das duas? Eu fico melhor de preto,
mas gosto da azul... Qual delas?”
De repente, ele olha o relógio.
Descobre que já estava atrasado. Tinha que escolher. Então, a camiseta azul
caiu do cabide. “Ah, vai essa mesmo!”
Encontrou Tobias, que o esperava ansioso:
̶ Nossa, cara! Achei
que você ia me dar o bolo. Comprei duas especiais pra gente torcer pelo meu
timão: o Galo!
Foi assim que Rafael se viu em meio à torcida do Atlético, vestido de
azul. Um blue sozinho. Ao primeiro gol do Cruzeiro, os
torcedores o fulminaram com o olhar. Culpavam a primeira coisa azul que viram,
por causa da derrota inicial. O rapaz não suportou a pressão: disse ao colega
que iria comprar um pastel e até hoje não voltou. De quebra, ainda escorregou e
quebrou o nariz. Por sorte, foi só o nariz...
Desta vez, o temível mal adentrou o seu coração. Ele criou um perfil,
numa página de relacionamentos, para encontrar a sua alma gêmea. Escolheu a
melhor foto e escreveu coisas lindas sobre si mesmo. Era a personificação do
“eu me amo”. “Ninguém vai resistir!”
Somente duas garotas mostraram interesse.
Uma, morena, alta, olhos verdes, modelo. A verdadeira “Vênus de Milo” da
nova geração. Seu nome era Mary Ellen, com dois “éles”. Em seu perfil, algumas
informações chamavam a atenção:
“Olhos: dois, mais um terceiro olho rosa
Esporte: jetsky, como o céu <3
Prato favorito: lagosta, mas não entendo quem gosta. Eja
gusta? Só os espanhóis!!!”
“É, nada é perfeito... Mesmo assim, vou adicionar aos meus interesses.”
Pobre Rafa!
A outra moça era Clara, filósofa. Rafael se empolgou com perfil
superinteligente. Contudo, perdeu a empolgação quando viu a foto. “O nariz dela
parece uma cenoura plantada no meio do rosto, como o Olaf do Frozen.
Nada é perfeito, mesmo! Adicionada.”
Inicialmente, era só amizade. Porém, com o tempo, o indeciso Rafa se viu
apaixonado pelas duas. “O ideal seria pegar o corpo de uma e colocar, nele, a
inteligência da outra. Seria a Mary Clara perfeita! Mas, não posso. Tenho que
escolher uma das duas... Qual delas? Qual?”
Uma cintilante ideia lhe veio à mente: “Vou marcar um encontro com as
duas naquela rua onde ficam duas cafeterias, uma em cada esquina. Não há nada
de mais, não estamos namorando ainda.”
O moço marcou os dois encontros simultaneamente, e levou uma surpresa no
bolso da jaqueta: um par de alianças de namoro, parcelada em suaves 24
prestações.
Primeiro, encontrou-se com Mary Ellen. Ela era ainda mais bonita do que
na foto. O rapaz disse que iria até o banheiro e foi à outra cafeteria, onde
conheceu Clara. Esta era ainda mais inteligente e sábia do que se mostrava no
perfil. Também lhe disse que iria ao o banheiro e despistadamente
saiu rumo a um poste que ficava na esquina.
“E agora, qual das duas?” Longe dos olhares das duas garotas, pegou as
alianças entre os dedos, respirou fundo e disse a si mesmo: “Pronto, agora eu
decido!”
Enquanto olhava as alianças, uma forte ventania ultrapassou a esquina,
arrancando-as de seus dedos. Elas rolaram pela calçada e sumiram, dentro de um
bueiro. Desesperado e constrangido, correu para casa, deixando as moças à sua
espera. Não poderia mais falar com as pretendentes depois disso. Deixou-as no
vácuo: sem perfil, mensagens ou telefonemas. Mais uma vez, não decidiu. O
destino foi implacável...
Será mesmo ruim o destino para alguém que não sabe o quer? Assim, Rafael
finalmente se decidiu: “A partir de hoje vou parar de tentar decidir tudo!”
Então, ele chamou o seu amigo, tempo, para uma longa conversa e tratou
de não cometer os mesmos erros. Foi mais feliz, sobretudo depois de pagar a
vigésima-quarta prestação das alianças. É, elas sumiram, porém a fatura do
cartão de crédito também foi implacável!
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