Orlando pela orla da praia
Orlando passeava pela orla da praia ao final da tarde. Contemplava a paisagem, agradecido pela maré de sorte. Do alto de seus 40 anos, sentado na areia, pensava na linda namorada, Sandra, uma mulher que o completava e o amava. Mirava o mar, e agradecia pelo bom emprego: era sócio de um dos maiores escritórios de arquitetura do Rio de Janeiro; o seu escritório ficava de frente para o mar.
Ficou um tempo por ali. Entrou no mar, tomou uma cerveja e foi para o seu duplex, no condomínio, dentro de seu carrão – que mais pareia o bat- móvel. “Como sou feliz! Se melhorar estraga!” - pensou, durante o trajeto. Depois de sua ducha, foi navegar em outros mares: os mares das redes sociais, aplicativos, chat’s. Mares, para ele, nunca “d’antes navegados”. Decidiu seguir o conselho de um amigo:
−Vai, Orlando, você precisa se modernizar. Baixe o aplicativo Surfer’s e me adicione. Adicione todos
os seus contatos do telefone, também. É massa, cara!
Orlando seguiu o conselho. Ficou feliz da vida. Podia conversar com
todos, a qualquer hora, somente num rolar de telas e apertar de botões.
Primeiro, demorava ao digitar as frases; ficou meio perdido com o teclado
digital e conversava com uma pessoa de cada vez. Depois, batia altos papos com
grupos inteiros e digitar já era fácil. Parece que a maré de sorte continuava a
trazer coisas boas.
Após o trabalho, já não ia mais relaxar na praia. A namorada e os
amigos, só encontrava aos finais de semana. A sua vibe agora era virtual, e resolvia tudo pela internet. Esta mesma vibe o levou a perder a noção do tempo,
muitas vezes. Normalmente, em ocasiões especiais.
Numa quinta-feira à noite, Orlando recebeu uma mensagem:
“Olá, sócio! Maré de sorte, hein? Só passei para te lembrar da
apresentação de amanhã, com os chineses. A maior conta que já pegamos. Se
prepara! Se eles gostarem do projeto, você vai poder tirar umas boas férias e
curtir a sua bela!”.
Digitou, prontamente:
“Oi, Marcelo! Calma, querido! O projeto será apresentado dia 31 de
dezembro, ainda. Tem tempo!”.
“Hoje são 30. Ixi! Acho que alguém andou tomando umas e outras e se
esqueceu de olhar o calendário rsrsrs... Não tem como cancelar. Chinês, né,
sabe como são? Se furarmos com eles, já era!”.
Era a primeira vez que aquilo acontecia. Orlando sempre foi muito
organizado, responsável. “E agora? A apresentação é amanhã e eu nem terminei o
projeto...”. Ele teclou rápido para Marcelo:
“Ok, sócio. Houve uma pequena confusão. Sem problemas, já está tudo
pronto!”.
Neste momento, Orlando recebeu uma nova mensagem. Desta vez era Sandra:
“Boa noite, meu amor! Como anda muito distraído, tô passando para te lembrar do
Revéillon. Fiz as reserva no hotel, em Búzios, mas temos que sair amanhã.
Assim, poderemos aproveitar mais!”.
Era a segunda vez, na mesma noite. Orlando sempre foi tão romântico,
como poderia ter se esquecido do Revéillon? Os dois ficaram planejando o ano
todo... “Nossa! Mais essa, agora! Eu me esqueci completamente!”
Parece que a maré tinha virado. Orlando já não era mais feliz. Se
perdesse o projeto dos chineses, teria que vender o seu carro e o seu duplex
para se manter. Se desistisse do passeio com Sandra, jamais seria perdoado:
seria o fim do relacionamento.
O pobre homem deixou o celular e foi arejar a cabeça. Resolveu entrar no
clima de festa do final de ano. Bebeu uma lata de cerveja comum, para combater
o nervosismo; depois, bebeu uma de cerveja preta, para ficar mais alerta. “Vou
levar tudo na marola. Inventar duas boas desculpas, em tom de brincadeira. Eles
vão me entender!” ̶ pensou.
Orlando chegou à sala, cambaleando. Escorregou no sofá e pegou o
celular. Digitou a primeira mensagem:
“Oi, amor, linda! Te amo! Então, sei que a gente planejou a viagem, eu
estava sonhando com ela... Mas, o mané do meu sócio tá me pressionando com um
projeto. Eu ainda não terminei, e é para apresentar amanhã. Eu tenho que
obedecer, porque ele tem a maior parte na sociedade. Se o nosso escritório não
pegar esta conta, não poderei juntar dinheiro para a gente se casar! Estou
muito triste... Mas, eu apresentando o trabalho ficarei livre daquela mala por
um bom tempo para ficar só com você.”.
Nem esperou a resposta e já teclou novamente:
“Olá, meu querido sócio! Sei que o projeto é para ser apresentado
amanhã. Mas, a canseira da minha namorada está me pressionando para ir a uma
viagem que planejamos o ano todo. Eu nem queria ir, porém, ela me disse que se
não viajássemos, não viria morar comigo. Na verdade, eu disse que iria me
casar, mas pretendo só morar com ela e ir deixando o tempo passar. No futuro,
quem sabe rsrs... Então, te proponho o seguinte: eu passo para você a parte que
já terminei, você complementa e faz a apresentação. Quando pegarmos a conta,
você fica com a maior parte. Assim, ambos ficamos felizes. O que acha?”.
De repente, o celular começou a vibrar freneticamente. Eram as respostas
chegando:
“Mané? Mala? Como assim? Que história é essa de casamento? Você teve o
ano todo para planejar esse projeto e ele não está pronto??? ENTÃO, VOCÊ TEM
QUE OBEDECER AO MALA DO SEU SÓCIO PORQUE ELE TEM A MAIOR PARTE NA SOCIEDADE??!!
Eu vou apresentar o MEU PROJETO e ganharei a conta dos chineses! Quanto a você,
considere-se LIVRE DE MIM, PARA SEMPRE!!! ARRUME OUTRO SÓCIO, BEM LONGE DE
MIM!!!”.
“Ahn? Quem tá teclando? Mala... Marcelo? Essa mensagem não era para você...
eu não penso isso...” ̶ tentou se explicar, em vão.
“Ah, não? Conta outra, FALSO! E essa história de casamento??? Você nem
gosta da Sandra para casar!”.
Novas mensagens, um arco-íris de luzes se acendeu no celular:
“Como assim, canseira da minha namorada? Você não queria ir??? ENTÃO,
ERA SÓ ENROLAÇÃO??? CASAMENTO, NO FUTURO, TALVEZ??!! Que tipo de proposta é
essa, MORAR JUNTO? Deixar o seu sócio fazer O SEU TRABALHO, QUE PAGARIA O NOSSO
FUTURO CASAMENTO???!”
“Amor, linda! Não era para você ler isso, foi um engano!”.
“Sim, foi um engano. A NOSSA HISTÓRIA FOI UMA ENGANO!!! Mas ela não
existe mais. Agora, você está solteiro para enrolar outra coitada e, quem sabe,
planejar um FUTURO CASAMENTO COM ELA!!! NÃO ME LIGUE MAIS, ME ESQUEÇA!”.
Pobre Orlando! A maré virou mesmo. É muito difícil surfar na internet.
Pena que aprendeu isso tarde demais...
Chegou dia 31 e lá estava ele: Orlando, caminhando pela orla da praia.
Os foguetes estourando no céu, todos felizes à sua volta. Começou o ano com
tudo, encerrou sem nada. Estava só, sem internet, com um copo de refri
borbulhante na mão. Só, a pensar: “O ano que vem será melhor! Será o MEU ANO!”.
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