Continuo escrevendo
com calos nas ideias
e sonhos nas mãos.
Continuo desenhando
com calos nos olhos
e cores nas mãos.
Porque, se paro,
perco as cores, os sonhos
Sobram os calos.
Por fim, me calo.
Mas, calar-me
não mais!
Oh, mordaça!
Me solte para que eu possa
respirar, falar,
e andar, andar, andar...
Só um pouco.
Oh, mordaça!
Me prenda para que eu possa estar, calar,
e ficar, ficar, ficar...
Só um pouco.
Seja como for,
Preciso de você.
Só um pouco, mais um pouco, um pouco mais.
O eu-lÃrico e a autora são distintos.
"Máscaras ao sol" (foto) |
"O jardim de Gabriel" (colagem digital) |
De vez em quando, Deus envia anjos
à terra. Eles vêm com os mais variados dons para nos ensinar um outro modo de
ver a vida.
Foi assim que mais um Gabriel veio
ao mundo. Era alegre, inteligente, bonito como todas as crianças são. Ele
nasceu cego e aprendeu a “enxergar o mundo” pelo ponto de vista dos que o
cercavam.
̶ Como é o sol, vovó?- perguntou.
̶ Ah,
meu bem, é muito quente, escaldante. Deixa a gente com preguiça de tudo...
̶ É mesmo? Eu pensava que fosse
diferente. Eu sinto um calor gostoso quando ele sai. Tenho vontade de nadar,
chupar picolé e me sinto bem. Mas, se você diz que é assim...
Certo dia, perguntou ao pai:
̶ Papai,
como é a chuva?
̶
Nossa, filho! É necessária, mas causa um transtorno: enchentes,
atrapalha o trânsito e a vida de quem é atarefado, como eu.
̶ Ué, então tá. Sempre que chove, sinto cheiro
de bolino de chuva e do café quentinho que a mamãe faz. Adoro dormir com o
barulhinho da chuva caindo na janela!
O garoto não se cansava de
perguntar. Era a sua forma de aprender, de conhecer:
̶ Mamãe,
como são os pássaros?
̶ São
bonitos, coloridos, filho. Mas, dentro das gaiolas, apenas. Soltos, eles são
sujos e agressivos.
̶
Engraçado... todos os dias, à tarde, quando ouço a revoada de pássaros,
fico tão feliz!
Gabriel, então, começou a se
sentir diferente dos outros. Parece que a sua forma de “ver” as coisas estava
errada. Tudo o que diziam que era ruim ele achava que era bom.
Um dia, o menino percebeu uma
movimentação diferente na casa ao lado. Estava fechada, há muito tempo, e ali
não morava ninguém.
̶
Mamãe, que barulho é esse?
̶ É o
novo vizinho, filho. Disseram que é um senhor distinto, filósofo.
̶ O que é um filósofo?
Esta pergunta ficou sem resposta.
A mãe do pequeno curioso saiu apressada para preparar o almoço. E ele ficou com
aquela interrogação saltitando na cabeça, durante a tarde toda.
̶ Vovó,
o que é um filósofo?
̶ Não
sei, meu bem.
Porém, Gabriel não se deu por
satisfeito. Indagou o pai:
̶
Papai, o que é um filósofo?
̶ Ah,
filho, é alguém que estuda muito.
̶ Sobre
o quê?
E mais uma interrogação rodopiava.
O pai saiu depressa, deixando-o sem resposta. O menino foi dormir cheio de
sonhos e de motivação para aprender mais, no dia seguinte.
Pela manhã, ao brincar no jardim,
ouviu alguém dizer:
̶ Olá! Vejo que também gosta de
plantas. O meu nome é Dimas, sou o novo vizinho.
̶ Oi,
seu Dimas, estava doido para te encontrar! – disse, radiante.
O velho sorriu e disse:
̶
Então, em que posso ajudar?
̶ A
minha mãe disse que o senhor é filósofo. O que um filósofo faz? Ah, o meu nome
é Gabriel.
̶ Um
filósofo é alguém que pensa sobre as coisas, as pessoas, o tempo, e tenta
ajudar o mundo com suas respostas.
̶ Hum,
entendi! Então o senhor é bom em dar respostas?
̶ Eu
tento, pelo menos.
̶ Que
bom, porque eu sou bom em fazer perguntas!
O garotinho lhe contou sobre o seu
jeito de “enxergar” a vida e sobre como os adultos a enxergavam.
̶ O jeito
como eu “enxergo” é errado?
̶
Gabriel, cada um tem um modo de ver a vida. Não existe certo e errado
quando se trata disso. Apenas diferente. Vou te dar um exemplo. Hoje, para mim,
o dia está mais tristonho, nublado. O sol, quando não aparece, deixa tudo mais
triste. E para você, como o dia está?
̶ Para
mim o dia não está triste. Não vejo o sol, mas sinto a brisa que me deixa leve
e me dá vontade de tomar chocolate quente. Tudo isso me deixa feliz!
̶ Viu
só? Cada um vê de uma maneira. Uns são mais tristes, outros felizes. Cada um
com suas ideias. Porém, isso não significa que as pessoas serão sempre iguais.
Elas podem mudar.
̶
Sei... – disse, atento.
A partir daquele momento, Gabriel
passou a entender que o seu modo de “ver” não era errado e sim, feliz. Decidiu
que levaria sua felicidade e a sua forma divertida de “ver” a todos que
estivessem entristecidos. Resolveu ensinar a todos como “enxergar” a vida com
outros olhos.
Desenho "Avess@s" |
Prendo, solto. Encolho, estico. Mostro, escondo. Dia, noite. Sóbrio, bêbado. Engordo, emagreço. Guardo, doo. Compro, vendo. Canto, emudeço. Follow, Unfollow. ON, OFF. Sim, Não. Escolhas inversas, às vezes perversas, meio às avessas, para sábias e longas conversas. Bem assim: - Mundo, o que você fez comigo? - Eu ou você? - Já nem sei... O poema e a autora são distintos. |
Orlando passeava pela orla da praia ao final da tarde. Contemplava a paisagem, agradecido pela maré de sorte. Do alto de seus 40 anos, sentado na areia, pensava na linda namorada, Sandra, uma mulher que o completava e o amava. Mirava o mar, e agradecia pelo bom emprego: era sócio de um dos maiores escritórios de arquitetura do Rio de Janeiro; o seu escritório ficava de frente para o mar.
Ficou um tempo por ali. Entrou no mar, tomou uma cerveja e foi para o seu duplex, no condomÃnio, dentro de seu carrão – que mais pareia o bat- móvel. “Como sou feliz! Se melhorar estraga!” - pensou, durante o trajeto. Depois de sua ducha, foi navegar em outros mares: os mares das redes sociais, aplicativos, chat’s. Mares, para ele, nunca “d’antes navegados”. Decidiu seguir o conselho de um amigo:
−Vai, Orlando, você precisa se modernizar. Baixe o aplicativo Surfer’s e me adicione. Adicione todos
os seus contatos do telefone, também. É massa, cara!
Orlando seguiu o conselho. Ficou feliz da vida. Podia conversar com
todos, a qualquer hora, somente num rolar de telas e apertar de botões.
Primeiro, demorava ao digitar as frases; ficou meio perdido com o teclado
digital e conversava com uma pessoa de cada vez. Depois, batia altos papos com
grupos inteiros e digitar já era fácil. Parece que a maré de sorte continuava a
trazer coisas boas.
Após o trabalho, já não ia mais relaxar na praia. A namorada e os
amigos, só encontrava aos finais de semana. A sua vibe agora era virtual, e resolvia tudo pela internet. Esta mesma vibe o levou a perder a noção do tempo,
muitas vezes. Normalmente, em ocasiões especiais.
Numa quinta-feira à noite, Orlando recebeu uma mensagem:
“Olá, sócio! Maré de sorte, hein? Só passei para te lembrar da
apresentação de amanhã, com os chineses. A maior conta que já pegamos. Se
prepara! Se eles gostarem do projeto, você vai poder tirar umas boas férias e
curtir a sua bela!”.
Digitou, prontamente:
“Oi, Marcelo! Calma, querido! O projeto será apresentado dia 31 de
dezembro, ainda. Tem tempo!”.
“Hoje são 30. Ixi! Acho que alguém andou tomando umas e outras e se
esqueceu de olhar o calendário rsrsrs... Não tem como cancelar. Chinês, né,
sabe como são? Se furarmos com eles, já era!”.
Era a primeira vez que aquilo acontecia. Orlando sempre foi muito
organizado, responsável. “E agora? A apresentação é amanhã e eu nem terminei o
projeto...”. Ele teclou rápido para Marcelo:
“Ok, sócio. Houve uma pequena confusão. Sem problemas, já está tudo
pronto!”.
Neste momento, Orlando recebeu uma nova mensagem. Desta vez era Sandra:
“Boa noite, meu amor! Como anda muito distraÃdo, tô passando para te lembrar do
Revéillon. Fiz as reserva no hotel, em Búzios, mas temos que sair amanhã.
Assim, poderemos aproveitar mais!”.
Era a segunda vez, na mesma noite. Orlando sempre foi tão romântico,
como poderia ter se esquecido do Revéillon? Os dois ficaram planejando o ano
todo... “Nossa! Mais essa, agora! Eu me esqueci completamente!”
Parece que a maré tinha virado. Orlando já não era mais feliz. Se
perdesse o projeto dos chineses, teria que vender o seu carro e o seu duplex
para se manter. Se desistisse do passeio com Sandra, jamais seria perdoado:
seria o fim do relacionamento.
O pobre homem deixou o celular e foi arejar a cabeça. Resolveu entrar no
clima de festa do final de ano. Bebeu uma lata de cerveja comum, para combater
o nervosismo; depois, bebeu uma de cerveja preta, para ficar mais alerta. “Vou
levar tudo na marola. Inventar duas boas desculpas, em tom de brincadeira. Eles
vão me entender!” ̶ pensou.
Orlando chegou à sala, cambaleando. Escorregou no sofá e pegou o
celular. Digitou a primeira mensagem:
“Oi, amor, linda! Te amo! Então, sei que a gente planejou a viagem, eu
estava sonhando com ela... Mas, o mané do meu sócio tá me pressionando com um
projeto. Eu ainda não terminei, e é para apresentar amanhã. Eu tenho que
obedecer, porque ele tem a maior parte na sociedade. Se o nosso escritório não
pegar esta conta, não poderei juntar dinheiro para a gente se casar! Estou
muito triste... Mas, eu apresentando o trabalho ficarei livre daquela mala por
um bom tempo para ficar só com você.”.
Nem esperou a resposta e já teclou novamente:
“Olá, meu querido sócio! Sei que o projeto é para ser apresentado
amanhã. Mas, a canseira da minha namorada está me pressionando para ir a uma
viagem que planejamos o ano todo. Eu nem queria ir, porém, ela me disse que se
não viajássemos, não viria morar comigo. Na verdade, eu disse que iria me
casar, mas pretendo só morar com ela e ir deixando o tempo passar. No futuro,
quem sabe rsrs... Então, te proponho o seguinte: eu passo para você a parte que
já terminei, você complementa e faz a apresentação. Quando pegarmos a conta,
você fica com a maior parte. Assim, ambos ficamos felizes. O que acha?”.
De repente, o celular começou a vibrar freneticamente. Eram as respostas
chegando:
“Mané? Mala? Como assim? Que história é essa de casamento? Você teve o
ano todo para planejar esse projeto e ele não está pronto??? ENTÃO, VOCÊ TEM
QUE OBEDECER AO MALA DO SEU SÓCIO PORQUE ELE TEM A MAIOR PARTE NA SOCIEDADE??!!
Eu vou apresentar o MEU PROJETO e ganharei a conta dos chineses! Quanto a você,
considere-se LIVRE DE MIM, PARA SEMPRE!!! ARRUME OUTRO SÓCIO, BEM LONGE DE
MIM!!!”.
“Ahn? Quem tá teclando? Mala... Marcelo? Essa mensagem não era para você...
eu não penso isso...” ̶ tentou se explicar, em vão.
“Ah, não? Conta outra, FALSO! E essa história de casamento??? Você nem
gosta da Sandra para casar!”.
Novas mensagens, um arco-Ãris de luzes se acendeu no celular:
“Como assim, canseira da minha namorada? Você não queria ir??? ENTÃO,
ERA SÓ ENROLAÇÃO??? CASAMENTO, NO FUTURO, TALVEZ??!! Que tipo de proposta é
essa, MORAR JUNTO? Deixar o seu sócio fazer O SEU TRABALHO, QUE PAGARIA O NOSSO
FUTURO CASAMENTO???!”
“Amor, linda! Não era para você ler isso, foi um engano!”.
“Sim, foi um engano. A NOSSA HISTÓRIA FOI UMA ENGANO!!! Mas ela não
existe mais. Agora, você está solteiro para enrolar outra coitada e, quem sabe,
planejar um FUTURO CASAMENTO COM ELA!!! NÃO ME LIGUE MAIS, ME ESQUEÇA!”.
Pobre Orlando! A maré virou mesmo. É muito difÃcil surfar na internet.
Pena que aprendeu isso tarde demais...
Chegou dia 31 e lá estava ele: Orlando, caminhando pela orla da praia.
Os foguetes estourando no céu, todos felizes à sua volta. Começou o ano com
tudo, encerrou sem nada. Estava só, sem internet, com um copo de refri
borbulhante na mão. Só, a pensar: “O ano que vem será melhor! Será o MEU ANO!”.
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"Velocidade" (acrÃlica sobre Canson) |
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"O relógio do vovô" (foto) |
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"Autorretrato" (monotipia sobre papel Canson) |
Trinta e seis,
"Simbiose" |
Olhos vazios,
soltos a procurar
alguma paisagem
onde possam se encontrar.
Porém, o que encontram
é só miragem.
E se assombram,
pois não enxergam a verdade.
No fundo, o que eles buscam
é só descansar.
No raso, se assustam,
porque não sabem nadar.
Tiara C. França é goianeira (metade goiana, metade mineira), criada em Goiânia e Formiga.
Descobriu o gosto pelas Artes Visuais desde os 6 anos de idade, quando se pegou reproduzindo personagens de HQ's, de maneira autodidata e espontânea. Cursou pintura a óleo no Atelier Arte Pura. Especializou-se em Ensino de Artes Visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Começou a escrever textos literários ainda na escola. Formou-se em Letras pelo Centro Universitário de Formiga (UNIFOR-MG). Já teve contos publicados em outros sites e em coletâneas do Clube Literário Marconi Montoli.
O blog foi criado no inÃcio da pandemia, em abril de 2020. É uma tentativa de tornar a fase da pandemia do COVID-19 um pouco mais leve, reflexiva e divertida para as pessoas. E perdura até hoje!